Tenho um fraco para a braveza. Menininhas bravas me encantam, me alertaram para identificação e nostalgia. Deve ser. Na vida adulta, nós, meninas bravas, fingimos cordialidade, mas reagimos à mínima treta, sobretudo às injustiças. Meu time inclui Nynna, Juju e Duda, o trio das superpoderosas.
Nynna

Nynna foi a primeira. Difícil chegar, ela já fechava a cara e dizia que não queria falar. Até tentei convencê-la, mas mudei de estratégia. Ao entrar no quarto, ignorava sua presença e quando ela dizia que não ia me responder, eu me virava blasé, vim falar com a sua mãe. Ela ficava inquieta, se levantava, se aproximava. Eu dizia, não encosta, por favor, sou alérgica a criança. Ela, duvido, não pode ser. Respondi que me empolava toda, era um problema muito sério, por favor, afaste-se. Nynna incomodada, não sabia se parava ou se me provocava mais. Vinha com o dedinho e eu me afastava, até que ela começou a rir. Eu exagerava e começava a me coçar. Assim, iniciamos uma amizade e uma piada secreta. Entrava no quarto e ela tentava me abraçar sob meus protestos. Nynna participou de 2 ensaios, carnaval e páscoa em 2019. Suas fotos encantam e trazem uma lembrança, já distante, de um sorriso azul, antes da cirurgia cardíaca. Hoje é uma ticktocker rosada que dança e encanta muita gente. Minha alergia foi curada, ainda trato de saudade.

Ana Julia

Juju é uma figura. Uma adolescente precoce num corpo de menina. Suas unhas bem-feitas são um exemplo, ela as exibe com orgulho e confiança. Sua maquiagem entrega a criança que, às vezes, ainda escapa e nos faz rir. Seus tutoriais variam de baile de formatura à menina zumbi. Quando a Dra. Roberta pediu uma foto para fazer uma figurinha da copa, não teve conversa, ela só aceitou a foto de caveira chic. Mas Juju, você é tão linda… até hoje não entendemos se era um protesto, zoeira ou a doce Juju sendo o que é. Nas primeiras internações, eu a presenteava com uma caneta, aconteceu um dia e virou um trato. A cada visita à papelaria eu me abastecia, teve caneta colorida, cheirosa, até uma de tinta invisível. Num dia mais delicado, foi submetida a exames desconfortáveis por minha solicitação, baixei a guarda e entreguei um estojo inteiro, toma, leva meu coração também. Ela aceitou minhas desculpas ainda contrariada. Dra. Camila já mandou flores e uma almofada de coração, Juju já ganhou festa de aniversário, maquiagem, figurinhas, porta-retrato. Já ganhou docinhos, pizza e sanduíches, contrabandos do bem armados pela família, enfermeiros e médicos. Ops, quero dizer, nunca participei.


Maria Eduarda

Duda é a molequinha. Fala como adulta, mas adora um chameguinho. Quando está atacada, grita ó mulé, tá de brincadeira? Parece uma vizinha encrenqueira. É forte como uma muralha, suas lágrimas são raras enquanto sua fala é sincera sobre a dor que sente. Dra. Vanessa faz massagem, conversa baixinho antes da próxima dose de morfina. Ela adora abraçar e ser abraçada, uma terapia alternativa, nem sempre eficaz. Briga com a Dra. Fernanda, já pôs uma plaquinha na porta, proibido Dr. André, depois diz que os adora. Conhece todo mundo do hospital em seus passeios. Um dia passeamos, eu, ela e uma fotógrafa amiga. Claristina me pediu algumas poses médicas de rotina, era um projeto pessoal que eu não soube negar. Do outro lado da câmera, eu não sabia o que fazer. Propus uma visita à enfermaria em busca de parceria e saímos, eu e minha amiguinha, até o jardim. Duda estava triste naquele dia, eu também. Senti na pele a energia positiva de uma sessão de fotos, a transformação do humor em palhaçadas desde o corredor, para o desespero de nossa fotógrafa. Do jardim, acenamos para um senhor acamado e sua esposa que nos espiavam da janela. Acenaram de volta e rimos surpreendidas. Não conhecíamos a sua história, nem ele a nossa, naquele momento, não importava, houve pausa… e adoramos.


novembro- 2022
Suzana Berlim (2022)
