A inspiração para a sequência de fotos veio de relatos que ouço da Doutora Suzana Berlim, colega de cursos online. Ela é pediatra e desenvolve lindos projetos de fotografia com seus pacientes e familiares e também sua equipe.
Assim que o exercício fotográfico foi proposto, perguntei-lhe se poderia registrar sua rotina numa série de fotografias. Sua paixão pelo ofício exercido e aspirações humanitárias envolvidas eram notórias. Deixei claro meu total desconhecimento dos bastidores onde se desenvolvem os trabalhos médicos.
Infelizmente, na noite que antecedeu o dia do ensaio fotográfico, uma de suas pacientes veio a óbito. Nesse momento, ao adentrar o recinto hospitalar, constatei o pesar e consternação de todos os profissionais e, enquanto me ambientava e buscava formular a melhor sequência de fotos, refleti sobre a missão dos profissionais de saúde e os desafios que enfrentam diariamente: vida e morte, lado a lado…
Percorri o corredor, fotografei médicos, enfermeiros encarregados da limpeza. Pude perceber que a Dra. Suzana não gosta de ser fotografada. Fui apresentada ao mascote: Zig, um boneco ET, que auxilia na demonstração, para as crianças, de como os equipamentos e medicamentos serão ministrados.
O processo criativo:
Dessa vez, a inspiração inicial veio ao ver o Zig. Rememorei dois filmes: Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e E.T. O Extraterrestre (1982), especialmente as partes que abordam a esperança numa forma de vida “superior”, mais “evoluída” que, de alguma forma, participa do processo de cura e amparo.
A seguir, fui convidada pela Dra. Suzana a acompanhá-la numa visita ao jardim do hospital, com uma de suas pacientes. Minha imaginação fluiu intensamente ao fotografá-la adentrando uma porta e se deparando com um dos olhares mais doces e esperançosos que já pude observar. Eram da menina Duda, internada para tratar anemia falciforme.
E, naquele momento de compaixão para com a menina, percebi a importância da Dra. Suzana para seus pacientes, todos, como se fosse o toque dos dedos do personagem E.T. e do protagonista Elliott, numa troca de energia carregada de simbologia.
A partir dessa percepção, a sequência fotográfica foi se delineando facilmente. Enviei para a Dra. Suzana, após edição, para sua apreciação. Ela sugeriu que clareasse o tom alaranjado de algumas imagens do corredor para um tom mais “frio”, como de um corredor hospitalar. Decidi deixar como estava, pois o que senti não foi nada “frio”. Aquela cor remeteu-me a uma “cor de útero” e imaginei que pais/mães de crianças internadas devem pensar naquele espaço como uma extensão do útero materno.
Essa ideia tornou-se mais clara ao ler o texto de apresentação das fotografias de outra colega de curso que usou, predominantemente, preto e branco para relacionar ao luto pelo falecimento de sua mãe. Presenciei o luto da equipe médica, da menina Duda, pelo falecimento da coleguinha do hospital. Cumprimentei a menina e perguntei-lhe como estava, ela respondeu-me que sentiu “uma dor de cabeça tão forte, que precisou tomar morfina”. Não há uma cor definida para os sentimentos… o essencial é nossa capacidade de “sentir”.
Então, veio à lembrança a frase do início da canção “Quase nada”, do Zeca Baleiro:
“Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho?”
Claristina Borges da Silva



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