Sou uma pediatra contadora de histórias. Na UTI, participo de forma ativa ou  curiosa, de algumas trajetórias. Eu observo cada internação como uma história compartilhada, parte minha, parte de quem se aloja em cada leito de hospital. Nessa troca de cuidados e experiências, minha participação é também de contar uma história, que vai além de diagnósticos e tratamentos. A criança internada nunca está sozinha, tem consigo a sua família, seus brinquedos e emoções. Na UTI, ela está longe de casa, conhece uma nova rotina, escuta novas palavras e novos sons. Para a criança, a memória daquele período deve ser amenizada com todos os esforços. Contamos mentirinhas sinceras, prometemos e cumprimos o impossível, provocamos, sem intenção, choro, mas buscamos a boa risada.

Quando comecei a fotografar crianças na UTI, no final de 2018, a ideia era apenas enfeitar uma parede com fotos natalinas de quem estava naquele ambiente tão pouco festivo. Pais e crianças se viram naquele mural e souberam de outras histórias e milagres natalinos ali, tão próximos. Eles, que estavam longe de suas famílias, compartilhavam a mesma tristeza e otimismo possível.

No ano seguinte, enfeitei a UTI com fotos de Carnaval, Páscoa, Dia das Mães e todas as datas comemorativas posteriores, com a intenção e significado que cada uma exigia.  

Na mesma época, eu fazia um curso de escrita criativa e esbocei algumas histórias que me faziam refletir sobre aquele ambiente. Escrevi sobre Maria Helena, sobre seus pais, seu irmão e nossa convivência na UTI. Escrevi outras histórias, como exercício biográfico e imaginativo. Em 2022, fui convidada a expor algumas fotos no Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva, em Brasília. Sem espaço para legendas, criei um site para contar sobre algumas daquelas fotos. Para tantas fotos, tive que escrever novas histórias em tempo recorde, mas o resultado foi um sucesso e um estímulo para me dedicar a uma nova forma de expressão, a crônica hospitalar. Um nicho muito específico surgiu, a experiência da internação de uma criança e sua família na UTI, em forma de anedota, superação ou despedida. O impacto da adversidade em forma de prosa infantil.

A humanização no ambiente hospitalar tem ganhado cada vez mais relevância, já faz parte de um diferencial oferecido ao paciente/consumidor. A experiência da internação pode interferir na qualidade de vida anos após a alta, talvez para sempre. A humanização é um cuidado já faz parte da discussão em grandes fóruns relacionados à saúde e bem-estar. O projeto de humanização tem várias frentes eu me especializei em fotografar risos e em contar histórias reais. Escrevo para amenizar uma memória ruim, tento ilustrar um capítulo específico da vida dos pequenos pacientes com cores vibrantes e contrastes necessários. Para as crianças que partiram, imprimo uma memória em imagem e palavras, para que possamos aceitar, mas nunca esquecer.

A exposição de fotos já foi vista em congressos, hospitais e salões, Naquele Instante é um convite para conhecer e compartilhar a vivência de quem está na UTI, por escolha ou sem querer. Desse encontro entre profissionais, pacientes e famílias, surge a maior expressão e sentido do que é ser humano, é sobre cuidar, proteger e ser abrigo. Boa leitura.